Pelo mundo da lua, do mar e da imaginação
- clubetolkieniano
- 14 de mai. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 20 de mai. de 2021
Mirane Marques

Falar sobre uma obra do Tolkien é sempre difícil para mim, pois sou automaticamente dividida entre a pesquisadora séria e a fã louca. E uma dessas partes assume o controle total, o que é idiota, eu sei. Deveria haver um equilíbrio, mas não comigo. No entanto, tentarei não deixar a fã louca reter todo o poder.
Quando me pediram para escrever este texto sobre Roverando (2021), a primeira coisa que pensei foi: “que fofura!”. Porque é como reajo às criações chamadas infantis do escritor inglês. Digo “chamadas” pois não gosto de dizer que Roverando é somente infantil. Sim, eu sei que J. R. R. Tolkien criou a história para seus filhos, mas isso não quer dizer que a intenção do autor decide que somente um grupo de pessoas pode ler certa obra. Tenho certeza de que o escritor de O Hobbit concordaria. Não entrarei em detalhes sobre discussões de gênero literário, fantasia e literatura infantil, este não é, de modo algum, o foco aqui. Mas gostaria de deixar registrado que, embora muito apropriado para crianças, essa história não é essencialmente infantil. Uma criança pode ler Roverando? Claro! E se divertir muito! Mas eu também posso. E você! Todo esse meu falatório é só para dizer que este é um livro incrível e que você não precisa dar explicações ou desculpas somente por estar lendo algo geralmente direcionado a um grupo do qual você não faz parte. Leia, se divirta e compartilhe com amigos, filhos, alunos, avós, e quem mais quiser!
Mas, afinal de contas, quem ou o que é Roverando? Desde minha primeira leitura, chamo este livro de Rover Rover porque Rover é o nome do nosso cachorrinho aventureiro e ele não é o único Rover da narrativa.
Tudo começa, como quase tudo na vida, com um mal-entendido entre Rover e um mago, Artaxerxes, que o transforma em um cachorro de brinquedo bem pequenino. Com certeza você já deve estar pensando naquela citação sobre não se meter nas coisas dos magos de um certo Sr. Tolkien, mas o pobre cãozinho não conhecia (ainda) estes dizeres tão sábios. E é assim que o relato se inicia.
Rover, como brinquedo, é comprado e presenteado ao Menininho Dois, de quem foge rapidamente, e encontra o segundo mago da história, Psamatos. Este devolve ao cachorro os seus movimentos, mas não seu tamanho normal, deixando-o pequeno. Logo depois, com a ajuda da gaivota Mia, Rover parte para a lua, onde conhece o Homem-da-Lua e seu cachorro, também chamado Rover. Para evitar confusões, Rover-da-Terra passa a se chamar Roverando.
É interessante notar que, no original em inglês, nosso cão aventureiro recebe o nome de Roverandom, na lua, o que é uma junção das palavras “rover” (vagar) e “random” (sem rumo). A tradutora desta edição, publicada pela Harperkids, Rosana Rios, encontra um modo brilhante de nos passar essa ideia de “vagar sem rumo” com a palavra “roverando”. Rover (vagar) + ando (nosso sufixo de gerúndio, que significa uma ação contínua). E vagar pela lua é exatamente o que fará Roverando com seu novo amigo, Rover-da-Lua. Juntos eles exploram vários territórios do lado claro e encontram problemas no caminho, inclusive o Grande Dragão Branco. O Homem-da-Lua também leva Roverando ao lado escuro, onde as crianças que estão sonhando ficam, e lá ele vê o Menininho Dois. Eles brincam e se divertem até o menino acordar e o cãozinho sente saudades e quer retornar à Terra e ficar com seu amigo. No entanto, mesmo com a ajuda de Psamatos, o cachorro não consegue se livrar do encantamento de Artaxerxes e, por isso, tem que segui-lo até seu novo lar, no Profundo Mar Azul.
Nesta nova aventura, encontramos o terceiro Rover, ou Rover-do-Mar, e, juntos com a baleia Uin, eles viajam pelos mares e oceanos. Em um desses passeios, Roverando acaba acordando a Serpente-do-Mar, trazendo problemas a Artaxerxes, que é expulso do fundo do mar. Finalmente, o cãozinho convence o mago a transformá-lo de volta em um cachorro normal.
Quando nosso herói retorna a sua casa (sua verdadeira casa, não a do Menininho Dois), ele descobre que, na verdade, sua dona original é a avó de seu amigo, deixando todos muito felizes.
É interessante ressaltarmos as referências a muito do que viria a ser os grandes contos de Tolkien, seja nas lindas ilustrações (sim, o Grande Dragão Branco nos lembra uma certa Grande Calamidade, sem contar a torre do Homem-da-Lua lembrando uma torre élfica), seja na menção de Casadelfos. E, tenho certeza, você também completava o nome da baleia Uin com um “en” no final. Este livro é uma porta maravilhosa para todos adentrarem o incrível mundo imaginado pelo escritor inglês.
Não podemos deixar de comentar o fato de que Tolkien criou essa história, em 1925, para seu filho, Michael, quando ele perdeu seu cachorrinho de brinquedo na praia e ficou muito triste. Para consolar o menino, essa aventura genial foi construída e, eu particularmente, amo a explicação de que eles não encontraram o cãozinho na praia porque ele dormiu e a areia o cobriu. Tolkien finalmente escreveu a obra em 1927 e tentou publicá-la em 1936, sem sucesso, e somente em 1998 a primeira edição saiu do forno. Em 2008, Roverando foi incluído no livro de contos Tales from the Perilous Realm (Contos do Reino Perigoso) e, realmente, podemos ver vislumbres do Reino Perigoso nesta narrativa. Esta nova edição brasileira é incrivelmente bem elaborada, com capa dura, formato menor e ilustrações do próprio autor.
Por último, aproveitem a leitura e “não assuste os raios-de-luar, não cace meus coelhos brancos e volte para casa quando tiver fome.” (TOLKIEN, 2021, p. 56). Quanto ao Reino Perigoso... é assunto para um outro dia.
Texto de Mirane Marques
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